Passamos grande parte da vida construindo a nossa identidade. Essa construção não é plenamente autônoma, não é realizada somente a partir de nossas escolhas livres. A todo o tempo, mesmo antes do nosso nascimento, sofremos várias influências que determinam muito do que somos. Sofremos influências genéticas, comportamentais, culturais, religiosas, financeiras, educacionais, alimentares e etc. Em muitas dessas, inclusive, somos totalmente passiveis e ‘pegamos’ as coisas como que por osmose. Entretanto, parte daquilo que somos tem a ver com os hábitos que adquirimos e praticamos ao longo de nossa vida e por mais que a nossa vida pareça desgovernada nesse mundo acelerado e cheio de alternativas a cada dia, ainda sim, é impossível viver a vida num vácuo de experimentalismos e novidades a cada momento. Todos possuímos hábitos que como liturgias existenciais dão ritmo, consistência, coerência, sentido e integridade à nossa personalidade. Não falo de uma rotina automática do fazer as coisas por fazer quase que por reflexo involuntário. Antes, falo daquelas atividades que nós realizamos ao longo de nossa história que buscam fins determinados, aquelas coisas que fazemos que definem quem somos e que há um jeito certo de serem realizadas. Assim, determinamos quem somos a partir dessas escolhas e dos fins que almejamos com elas. Isso também determina o que realmente tem valor e o que realmente amamos. Então, no fim das contas, a nossa identidade é definida por aquilo que amamos e tudo o que fazemos para amar esse amor. O Senhor Jesus Cristo em sua despedida, na última Ceia, ministrando aos seus discípulos, estabeleceu a identidade deles: “Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros" (Jo 13.35), e de onde os discípulos aprenderam essa forma de amar e como receberam a capacidade de assim fazer? Aprenderam esse amor convivendo com Jesus, ouvindo os seus ensinamentos, confiando nele, imitando a sua vida e fazendo as escolhas que ele indicou e todos os seus ensinamentos. Mas, mesmo assim, não podiam viver esse amor de maneira real e profunda apenas com base na imitação, na aprendizagem e em boas escolhas, não obstante essas coisas serem importantes. Foi necessário que esse amor fosse introduzido em seus corações: “porque Deus derramou seu amor em nossos corações” (Rm 5.5) e depois disso desenvolvido por meio do cultivo do hábito de amar. Os discípulos deveriam amar-se no colégio apostólico, amar todos os que viessem a crer em Cristo, amar os homens sem distinção porque são imagem e semelhança de Deus. Deveriam amar os pobres, os vulneráveis, os pecadores arrependidos, os perdidos em seus pecados e até mesmo os seus inimigos. Na verdade, “o amor perdoa muitíssimos pecados” (1Pe 4.8). Claro que, como afirma Jason Lepojärv: ‘Deus é amor, mas o amor não é Deus’, então, não falo de um amor como absoluto em si mesmo, mas de Deus como referência absoluta do que seja o amor. O hábito de amar nos dá a identificação com Deus, de quem Cristo é a suprema e sublime revelação. Cristo é a identidade humanada de Deus e é a essa humanidade de Cristo que somos chamados a parecer-nos sempre e cada vez mais. Para que seja possível construir essa identidade no amor, alguns fatores, depois do novo nascimento, são fundamentais: 1. Uma pedagogia do amor. Amar é alguma coisa que se aprende com informação, com educação, com treinamento e com a seleção correta do que se deve amar. 2. Um ambiente favorável. Esse ambiente favorável é a comunidade dos discípulos, o culto público e sua atmosfera e espiritualidade. Ali, a presença espiritual, real e transformadora do Espírito Santo comunica santas energias do amor às nossas almas. 3. Um exercício constante. O engajamento no serviço aos santos, o compromisso com a comunidade onde a igreja está plantada, o envolvimento com as causas justas e as demandas sociais, fortalece e melhora a ‘performance’ do amor sacrificial, como o de Cristo. 4. Uma liturgia apropriada. Isto é, fazer todas as coisas do ‘jeito certo’ com o fim irrenunciável de amar o amor que nos amou, Cristo. Quando o amor se torna um hábito, nossa identidade se estabelece e passamos a entender que a “medida do amor, é amar sem medidas” (Cipriano de Cartago).
Reverendo Luiz Fernando é Ministro da Palavra na Igreja Presbiteriana Central de Itapira
Comentários, artigos e outras opiniões de colaboradores e articulistas não refletem necessariamente o pensamento do site, sendo de única e total responsabilidade de seus autores.