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Itapira, 24 de Novembro de 2024
Notícia
22/04/2020 | Luiz Santos: Nova Normalidade

"Sei que podes fazer todas as coisas; nenhum dos teus planos pode ser frustrado. Tu perguntaste: ‘Quem é esse que obscurece o meu conselho sem conhecimento? ’ Certo é que falei de coisas que eu não entendia, coisas tão maravilhosas que eu não poderia saber. "Tu disseste: ‘Agora escute, e eu falarei; vou fazer-lhe perguntas, e você me responderá’. Meus ouvidos já tinham ouvido a teu respeito, mas agora os meus olhos te viram” (Jó 42.2-5).

Quando a quarentena começou, no dia 16 de março aqui em Itapira, eu estava iniciando em minhas devocionais, a leitura dos Comentários sobre o Livro de Jó, de Gregório Magno, do século VI. Desta obra patrística, resolvi passar ao livro de Jó. Durante um certo tempo li os dois livros durante o período dedicado à oração e em dado momento quando estava no clímax dos sofrimentos de Jó, encontrei a citação de Gregório que dizia: ‘O Livro de Jó é o manual para o bem viver em dias de sofrimento, privação e grande adversidade’. Foi o que eu precisava para dali em diante tentar ler o texto bíblico à luz dessa pandemia que assusta a todos. A primeira coisa que mudou em meu coração foi a pergunta que eu fazia desde o início: Quando retornaremos à normalidade? Ouvia aqui e ali, pessoas dizendo quererem a sua vida de antes, a sua vida de volta. E, de repente, me dei conta que se o Senhor ordenou (não simplesmente permitiu), tudo isso que está acontecendo no mundo e em pouquíssimo tempo transformou a face da Terra de uma maneira nunca antes testemunhada por essa geração, é porque aquela normalidade de antes não estava boa, não estava adequada aos propósitos d’Ele para a criação e ao plano d’Ele para o seu povo, a igreja. Então, passei a ler os infortúnios, as dores e os sofrimentos de Jó, guiado por essa passagem: "Como é feliz o homem a quem Deus corrige; portanto, não despreze a disciplina do Todo-poderoso. Pois ele fere, mas dela vem tratar; ele machuca, mas suas mãos também curam. De seis desgraças ele o livrará; em sete delas você nada sofrerá” (Jó 5.17-19) e passei a entender que esse é um tempo de disciplina e disciplina não é só castigo e punição, é também educação. Sei perfeitamente que muitos que possam ler-me (esse muitos é um pouco pretensão, nem são tantos assim), são de alguma maneira ‘negacionistas’, isto é, negam que Deus possa ou queira ter algum envolvimento com essa pandemia e esse vírus. Se houver alguma responsabilidade, ela é toda do homem e é uma consequência inevitável de seus pecados. Não duvido que essa é uma parte da verdade que deve ser considerada também. Mas, fui conduzido a crer ao comparar Escritura com Escritura, que é maneira apropriada à tradição eclesial a que pertenço, que de fato esse período todo, se comparado com as muitas epidemias, os muitos sofrimentos e as quase incontáveis adversidades pelas quais o povo de Deus viveu e enfrentou na Bíblia e depois na mais que bimilenar história da igreja, que esse é um tempo cuja ênfase deve ser depositada sobre a pedagogia divina em corrigir, mas sobretudo, educar o seu povo. E porque esse tempo de correção-educação? Seguramente porque o que era ‘normal’ antes não era adequado o suficiente para o reivindicado por Deus. Como algumas igrejas da Ásia Menor descritas do Apocalipse, às vezes apesar de tão ortodoxos nos faltava amor, às vezes pela negligência nos tornamos mornos, sem paixão por Cristo e sem compaixão pelos pecadores. Outras vezes fomos relapsos e indiferentes e permitimos que costumes e estilos de vida incompatíveis com o Evangelho convivessem conosco confortavelmente em nossas congregações, não tratamos mais o pecado como pecado. Houve vezes ainda, que nos enchemos de orgulho denominacional, nos deixamos iludir com o nosso sucesso ministerial ou ficamos admirados com os nossos belos edifícios e nos sentimos ricos, abastados, confortáveis e por isso mesmo mais religiosos e menos cristãos, mais consumidores de coisas sagradas, do que profetas, mais simpatizantes do que testemunhas. Como todos sabem, o fim do livro de Jó é desconcertante e concluí a minha compreensão dessa narrativa bíblica, deixando-me guiar pela passagem que diz: “O Senhor abençoou o final da vida de Jó mais do que o início” (Jó 42:12). Isto é, passada a tormenta, Jó não voltou à normalidade de antes. A sua vida não continuou de onde parou, pura e simplesmente. A sorte de Jó no fim da narrativa é muito melhor do que quando tudo começou, é uma nova normalidade. Jó saiu da disciplina mais fortalecido e mais esclarecido em sua fé. Saiu possuindo uma experiência real de caminhar com o seu Senhor e a depender dele até para as coisas mais triviais da vida. Experiência que em tudo superou o seu conhecimento teórico de quem Deus é, de como Ele age, do seu caráter santo e do seu amor. Pode ser que o mundo, de maneira geral, quando passarem esses dias, incorra no mal registrado no livro de Apocalipse: “Estes foram queimados pelo forte calor e amaldiçoaram o nome de Deus, que tem domínio sobre estas pragas; contudo se recusaram a se arrepender e a glorificá-lo” (Ap 16.9), a Igreja, entretanto, se não desprezar a disciplina, deve sair dessa pandemia mais grata, mais santa, mais apaixonada, mais compadecida, mais comprometida, mais sábia, mais pura. Que a nova normalidade seja em tudo melhor do que aquela que deixamos há pouco mais de um mês.

Reverendo Luiz Fernando é Pastor na Igreja Presbiteriana Central de Itapira.

Fonte: Luiz Santos

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