"Concedei-nos, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso e sabedoria para distinguir umas das outras." Confesso que sempre gostei dessa oração, ela tem mais a ver com serenidade do que com sobriedade, mas sei que ela é também muito utilizada por grupos de apoio a dependentes de álcool, substâncias entorpecentes e outros vícios. Penso mesmo que deveria ser um modelo de oração para todas as circunstâncias da vida, ainda mais hoje em dia, com tantos radicalismos irracionais, intolerâncias pecaminosas e até violências físicas covardes. Sobriedade é uma virtude e um imperativo das Palavra de Deus. Há uma chamada à sobriedade para os pastores: “Você, porém, seja sóbrio em tudo, suporte os sofrimentos, faça a obra de um evangelista, cumpra plenamente o seu ministério” (2 Tm 4.5). Os mais velhos, a terceira idade, igualmente é instada a andar de maneira sóbria: “Ensine os homens mais velhos a serem sóbrios, dignos de respeito, sensatos, e sadios na fé, no amor e na perseverança” (Tt 2.2) Alguém já disse que o diabo mora nos extremos, por isso as Escrituras ensinam: “Sejam sóbrios e vigiem. O diabo, o inimigo de vocês, anda ao redor como leão, rugindo e procurando a quem possa devorar” (1 Pe 5.8). A sobriedade nos previne de cair em confusão ou ser surpreendido e andar angustiado quando as coisas saem do nosso controle: “Portanto, não durmamos como os demais, mas estejamos atentos e sejamos sóbrios” (1 Ts 5.6) e por fim, a iminência da volta de Cristo e a consumação de todas as coisas, exigem do cristão este estado mental e espiritual: “O fim de todas as coisas está próximo. Portanto, sejam criteriosos e sóbrios; dediquem-se à oração” (1 Pe 4:7). Sem dificuldade alguma podemos constatar pelas Escrituras que o chamado à sobriedade cobre todas as áreas da vida e todos os nossos relacionamentos. O contrário da sobriedade é a falta de discernimento e a incapacidade de julgar retamente todas as coisas e saber separar e ‘aquilatar’ cada evento, circunstância ou compromisso. Sem sobriedade, perdemos a lucidez e passamos a viver de narrativas descoladas da realidade. Não suportamos a concretude da vida e buscamos interpretar os fatos de maneira distorcida e irresponsável. A nossa natureza sob a influência do pecado reclama um estado de entorpecimento para não ter que assumir responsabilidade e prestar contas das nossas palavras malditas, dos julgamentos temerários que fazemos, da linguagem vulgar e irreverente que usamos para tratar das coisas de Deus ou mesmo para gratuitamente desacreditar e ofender o semelhante. Passamos a vida inebriados pelo desejo de sucesso, reconhecimento público, títulos acadêmicos e claro, dinheiro. Quando nos vemos confusos ou nos sentimos ‘injustiçados’, porque o não-sóbrio, como qualquer bêbado, não admite a embriaguez, lançamos mão dessas coisas para tentar pacificar a nossa consciência e nos justificar diante dos outros. Assim, invocamos a nossa posição social, os sucessos alcançados, os títulos que possuímos ou apresentamos o saldo da conta bancária. O homem que vive o tempo todo numa espécie de ‘disforia moral e espiritual’, com súbitas mudanças, alterações constantes de humor e que no fundo só deseja agradar-se, mesmo porque, está sempre insatisfeito, coloca a sua alma e a sua sanidade mental, inclusive, sob grande perigo. A Bíblia apresenta o caso do homem que estava vivendo no limite mais insuportável da falta de sobriedade. Nessa mesma passagem, vemos como o encontro com Jesus e a vida centrada nele, devolve sobriedade à existência: “Eles atravessaram o mar e foram para a região dos gerasenos. Quando Jesus desembarcou, um homem com um espírito imundo veio dos sepulcros ao seu encontro. Esse homem vivia nos sepulcros, e ninguém conseguia prendê-lo, nem mesmo com correntes; pois muitas vezes lhe haviam sido acorrentados pés e mãos, mas ele arrebentara as correntes e quebrara os ferros de seus pés. Ninguém era suficientemente forte para dominá-lo. Noite e dia ele andava gritando e cortando-se com pedras entre os sepulcros e nas colinas. [...] Quando se aproximaram de Jesus, viram ali o homem que fora possesso da legião de demônios, assentado, vestido e em perfeito juízo; e ficaram com medo” (Mc 5:1-5, 15). Precisamos de um encontro constante com Jesus e permanecer em sua presença se queremos nos manter sóbrios, evitando os excessos e vícios (que são idolatrias) e por isso mesmo nos machucando e ferindo os outros. A sobriedade é uma virtude que traz paz e serenidade ao nosso coração, nos faz enxergar todas as coisas, ouvir cada crítica, receber cada elogio, viver na diversidade e pluralidade de ideias com respeito e tolerância. A virtude e a bênção de um estado mental e espiritual de sobriedade nos faz desenvolver a sabedoria de dar a cada coisa a sua devida importância e ver tudo na proporção e na simetria corretas. Em tempos de polarizações ideológicas e políticas, em tempo de dessacralização, relativismo e descrédito de muitos setores da igreja, precisamos ouvir a voz de Jesus e serenar a legião de vozes dentro de nós a nos empurrar para toda sorte de excessos. Deus nos livre de ir tão longe em nossas posições fora de Cristo, que já não possamos voltar. Sê sóbrio!
Reverendo Luiz Fernando, pastor presbiteriano.
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