Não foi a toa que criamos a expressão “Deus é brasileiro”. Afinal, sempre nos sentimos o rei da cocada preta em determinados assuntos. Ficamos felizes quando, no ano de 1997, visitando o Rio de Janeiro, João Paulo 2º disse “Se Deus é brasileiro, o papa é carioca” e nos orgulhamos, em 2013, quando o outro papa, Francisco, bem humorado, respondendo à provocação de jornalistas de que alguns brasileiros lamentavam o fato dele (o papa) ser argentino, brincou “Vocês querem tudo. Vocês já têm um Deus brasileiro, queriam um papa brasileiro também?”. Nunca nos cansamos em exaltar as nossas belezas naturais. No final da década de sessenta, um sucesso de Jorge Bem cantado por Wilson Simonal confirmava o sentimento: “Moro num país tropical, abençoado por Deus. E bonito por natureza, mas que beleza.”.
Abençoado, o Brasil sempre esteve longe das grandes catástrofes naturais que castigam o mundo. Não temos vulcões. Os nossos poucos terremotos, quando ocorrem, não passam de tremeliques. Sobre os tsunamis, até bem pouco tempo, mal sabíamos que eles existiam ou como se formavam ou o quanto eles poderiam matar. Os furacões e congêneres nunca chegaram a tirar o sono dos brasileiros. Fomos poupados?
A predileção divina pelo Brasil também pode ser verificada em relação às epidemias. Dentre as que conhecemos, umas controladas, outras eliminadas, como Malária, Febre Amarela, Tuberculose, Aids, Poliomelite, Sarampo, Varíola, Cólera... A maioria veio da Europa, da África ou da Ásia. Quer dizer, nasceram por lá, não por aqui. A Peste Negra que dizimou mais da metade da população europeia ocorreu antes do Brasil ser descoberto. A Gripe Espanhola que se espalhou a partir da Espanha, no finzinho da Primeira Guerra Mundial, matou mais de 40 milhões de pessoas acabou aportando no Brasil. Foi séria. Muitos morreram, mas não fez aqui o mesmo estrago que fez no velho mundo. Fomos aliviados?
Pois é! O Aedes aegypti também não era dessas paragens. Diz-se que entrou no Brasil através dos navios negreiros, mas só na primeira metade do século XX é que desenvolvemos um trabalho de combate ao mosquito e eliminamos a dengue da lista das doenças urbanas. Em 1980, no entanto, o mosquito voltou a aparecer no Norte do país e nos anos 90 a região Sudeste já apresentava dengue como epidemia. Nos dois anos anteriores, 2013 e 2014, superamos a casa dos dois milhões de casos registrados, além de ultrapassar mil mortes. Em 2015, os casos confirmados no primeiro mês superaram janeiro de 2014 em 57%. Resumindo, a epidemia da dengue continua forte e rígida em nosso país. Uma epidemia que poderia ser facilmente evitada se cada brasileiro fizesse a parte que lhe cabe.
O Brasil concentra 12% da água doce superficial do mundo. Isso representa tanta água que a impressão que a gente tinha – ou talvez ainda tenha – é que ela, presente de Deus, era infinita. De fato. Tínhamos água para dar e vender. Só precisávamos cuidar das nossas florestas, dos nossos rios, das nossas nascentes, dos desperdícios... Corremos, agora, o risco de ficar sem água em algumas regiões do Brasil, tanto para o abastecimento, como para a geração de energia. Está batendo o desespero.
Sei não, mas desconfio que Deus, cansado de tanta folga e inoperância, fez as malas e foi cantar em outra freguesia ou, quem sabe, tenha chegado à conclusão de que nesses quinhentos e tantos anos nos mimou, além da conta, e agora quer ver como a gente se vira com as próprias pernas, mãos e consciência. Tomara que seja a segunda opção, desde que os erros não se repitam.
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