Jean-Paul Sartre, filósofo francês, o mais famoso representante do existencialismo, dizia que a existência humana precedia a essência, já que primeiro existimos e depois nos definimos, e completava: “todas as outras coisas são o que são, sem se definir, sem ter uma essência posterior à existência”.
Jean-Bertrand Pontalis, também filósofo, além de psicanalista e escritor, falecido nesta semana aos oitenta e nove anos, em entrevista concedida no final do ano passado, em Paris, contou que quando era aluno da “Université du Havre”, em uma aula memorável, Sartre ensinou que “o julgamento do fato trata sobre o que é; e o julgamento do valor trata sobre o que deve ser”. Pontalis confessou, ainda, que só foi entender essa lição muito tempo depois.
Basta um mergulho nas ideias dos nossos grandes pensadores para entendermos o papel transformador da realidade pregada pela filosofia na arte de pensar, criticar ou misturar a realidade simbólica com a razão, muitas vezes traduzidas no dia a dia, nas rodas de conversas, na imprensa, nos livros... É quando somos levados à reflexão de que não é através dos objetos que aprendemos, mas dos fatos, dos atos e da razão, cada qual com a sua verdade histórica, ora bem fundamentada, ora atrelada na ignorância ou nos interesses, confessáveis ou não.
Enquanto viajava entre Sartre e Pontalis lembrei-me de uma reunião da qual participava como integrante do movimento de juventude católica, onde a tônica era o julgamento e a condenação dos atos humanos e o quanto foi difícil para o grupo entender que deveríamos julgar e condenar, sob a ótica cristã, o ato praticado, jamais o praticante. Assim como Pontalis, precisei de alguns anos para entender esse mecanismo diferenciado de ver as pessoas e avaliar com serenidade as palavras e ações advindas. Assim que entendi a simplicidade e a lógica dessa equação, passei a me questionar sobre o tempo que demorei em perceber a obviedade daquela atitude cristã. Aliviado, percebi, que as duas visões, existencialista e religiosa, eram parecidas e complexas.
É com pensamento preocupante que assisto, cotidianamente, aos julgamentos sumários associados às condenações eternas de pessoas que por conta de seus atos individualizados, impensados ou não, motivados ou despropositados, transformam as relações humanas em fonte de insatisfação com a vida. Gente que leva as suas impressões às raias da vaidade e da vingança como ponto fundamental da sua existência, como se a vida não nos oferecesse as oportunidades de remissão e aberturas para o perdão.
Entender a diferença entre o fato ocorrido com o valor que representa, e, sobretudo, descolar a ação passível de condenação do autor, é um processo que este mundo, a duras penas, caminha. Faz parte da evolução.
Aprendemos a cada dia que ninguém está imune de praticar ações condenáveis e muitos menos de dar a elas os mesmos valores que os outros dão.
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