Nunca me importei com a comoção nacional gerada com a morte de determinados artistas, esportistas ou políticos. Apesar de achá-las exageradas, sempre aceitei parcimoniosamente. Mas me incomoda, bastante, a insipiência e a indiferença reveladas pelo povo brasileiro diante da morte de um intelectual do porte de Millôr Fernandes. Presto, então, a minha homenagem.
Conheci Millôr, na altura dos meus dezesseis anos, pelas páginas do Pasquim. Um tabloide que infernizava a ditadura militar com muita inteligência, reunindo a nata da intelectualidade da época. Millôr foi um dos fundadores.
Millôr se autointitulava um escritor sem estilo. Disse certa vez, numa entrevista, que o papel dele, era escrever. O trabalho do leitor era entender o que estava escrito.
Millôr Fernandes era insuperável nos aforismos. Os meus preferidos: “A boca é o aparelho excretor do cérebro”. “A morte é compulsória, a vida não”.
Na poesia, a fantástica: ”O político é um gaiato. Que prefere a versão ao fato”.
No jogo de palavras, a enigmática: “Ontem, ontem tinha agá, hoje não tem. Hoje, ontem tinha agá, e hoje, como ontem, também tem”.
Na política, a perfeição: “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”.
Na filosofia, a maior: “Passado: É o futuro, usado”.
No poder, a melhor: “Quando um técnico vai tratar com imbecis, deve levar um imbecil como técnico”.
Na anatomia, a mais profunda: “Entre o riso e a lágrima há apenas o nariz”.
No gabinete, a mais certeira: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.
No humor, a mais engraçada: “Nos momentos de perigo é fundamental manter a presença de espírito, embora o ideal fosse conseguir a ausência de corpo”.
Millôr um dia se dirigiu a Deus e orou: “Sabemos que VOCÊ, aí de cima, não tem mais como evitar o nascimento e a morte. Mas não pode, pelo menos, melhorar um pouco o intervalo?
Para encerrar, Millôr gostava de contar: “Dizem que quando o Criador criou o homem, os animais todos em volta não caíram na gargalhada apenas por uma questão de respeito”.