Quanto mais a sociedade vai se distanciando do período em que os militares eram os donos da cena política e administrativa do país, que ocorreu entre 64 e 85, mais se acentua uma espécie de fosso que demoliu um dos pilares da propaganda do antigo regime, que se utilizava da Semana da Pátria como eficiente propaganda dos seus objetivos cívicos. Atualmente, a questão da independência do Brasil tem como principal argamassa dentro das escolas uma postura mais crítica e seletiva a respeito de como ocorreu o intrincado processo que separou o país de Portugal.
Segundo o professor Diego Danilo Rizzi, 28 anos, hoje em dia professores e ou estudiosos de História, responsáveis pela formação dos profissionais que terão a incumbência em levar o tema dentro da sala de aula não deixam dúvidas quanto a necessidade de evitar uma simplificação do tema Independência, que permita associá-lo a uma mera questão de civismo do tipo ‘Brasil, ame-o o deixe-o’, como era de praxe nos tempos de regime militar. “Na Universidade o que a gente constata hoje em dia é a preocupação de mostrar os diversos vieses historiográficos que culminaram com o processo de independência do país . Trata-se de um assunto complexo e o desafio é exatamente abordá-lo de uma forma coerente dentro da sala de aula e, principalmente, sem mistificações”, propõe.
Professor do Objetivo e da Escola Elvira Santos Oliveira, Rizzi é formado pela PUCC (Pontifícia Universidade Católica de Campinas) e faz mestrado pela USP (Universidade de São Paulo). Ele alerta para o fato de que o processo de independência brasileiro ocorreu de cima para baixo, diferentemente de movimentos revolucionários que sacudiram mais ou menos à mesma época, a América Espanhola,culminando com a independência de países como Argentina, Chile, Colômbia e Venezuela. “Interessante o fato de que em época de campanha eleitoral para uma eleição de amplitude nacional como esta que estamos vivenciando, temos um pretexto a mais para discutir estas questões, uma ótima ferramenta para fomentar a conscientização dos estudantes para a importância da questão política”, avalia.
A estudante Aline Fernanda Longo, 21,do 3º ano do curso de História da PUCC, também enxerga a questão pelo mesmo ângulo. “A gente nota que na Semana da Pátria as escolas se restringem no canto do Hino Nacional e no hasteamento da bandeira. Acho que existe uma excelente oportunidade, uma ponte entre a data e a atividade política atual, fomentar a discussão política no sentido amplo da questão”, defendeu. Ela conta que no plano universitário a questão da independência é trabalhado numa mesma extensão de importância dada a outros temas também relevantes. “Discute-se o assunto dentro de painéis específicos, palestras e debates o que nos permite um embasamento muito amplo e sempre muito atualizado sobre a questão”, observou.
Engajamento
A professora de História aposentada, Marta Cecília Piva Ferreira Alves, a Ciça, tem uma ponta de nostalgia dos anos de chumbo exatamente porquê, segundo ela, dentro da universidade a categoria não se rendeu à camisa de força imposta pelo regime militar. Ciçaformou-se pela UNICAMP em 1980 e ingressou no Magistério no ano seguinte, portanto, em pleno regime ditatorial. Ela lembra que dentro da universidade existia uma resistência intelectual a partir da maior identificação dos professores com ideais de esquerda. “Líamos muito de Marx, Gramsci e outros teóricos que à época eram sinônimo de subversão. Por isso havia um engajamento contra a ordem estabelecida, ainda que de forma mais velada”, relembra.
Ciça lembrou ainda que do ponto de vista da sala de aula, apesar de toda rotina cívica em que existia em torno da celebração da Semana da Pátria, dentro de sua disciplina nunca se omitiu em abordar os fatos de maneira isenta, sem os rebuscamentos de praxe que, segundo ela, eram atribuição de um outro professor licenciado das áreas de História e Geografia que aplicavam uma disciplina denominada de Educação Moral e Cívica. “O que resultou deste processo todo, infelizmente, foi uma alienação quase total no que se refere ao interesse por assuntos políticos. Não existiu uma preocupação em conduzir o interesse dos estudantes para este tipo de esclarecimento, que hoje em dia, por sinal, a gente percebe que faz muita falta ao país”, concluiu.
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